A era pós-newtoniana foi marcada por uma série crescente de sucessos na aplicação dos princípios da dinâmica e da lei da gravitação ao Sistema Solar e mesmo além dele.
(a) O valor de G e a massa da Terra
Para determinar o valor da constante gravitacional G é preciso medir a força da atração gravitacional entre duas massas conhecidas, o que é muito difícil no laboratório por ser muito fraca a interação gravitacional. A primeira medida foi feita por Cavendish em 1798, utilizando um aparelho extremamente sensível, a balança de torção.
Um par de esferas de massa m, nas extremidades de uma barra, é suspenso pelo centro da barra por uma fibra fina de quartzo numa posição de equilíbrio AB. Trazem-se então outras duas esferas de massas M à mesma distância das esferas de massa m, o que produz um torque, pelas forças gravitacionais entre cada par de esferas. Esse torque faz girar a barra de um ângulo teta, produzindo uma torção correspondente da fibra, que é calibrada de forma a poder medir o torque, e por conseguinte as forças gravitacionais, pelo ângulo e torção. Este ângulo é medido pelo desvio de um feixe de luz refletido por um espelhinho preso no fio (alavanca ótica).
Cavendish obteve G = 6,71 x 10-¹¹ N . m²/kg², que é bastante próximo do valor atualmente aceito, G = 6,6739 x 10-¹¹ N . m²/kg².
Cavendish chamou a sua experiência de “pesagem da Terra”. Já vimos a razão de ser desse nome: a relação (10.6.6) ou (7.5.25) com g, Rt e Mt permite determinar a massa Mt da Terra. Vimos também que o valor correspondente da densidade média da Terra é Pt ~ 5,52 g/cm³. O valor de Cavendish, Pt 5,48 g/cm³, foi obtido bem depois da morte de Newton, mas Newton havia feito, nos “Principia”, a seguinte estimativa célebre de Pt: “Como... a matéria comum da Terra em sua superfície é cerca de duas vezes mais pesada que a água, e um pouco abaixo, em minas, verifica-se ser três, quatro, ou mesmo cinco vezes mais pesada, é provável que a quantidade total de matéria da Terra seja cinco ou seis vezes maior do que se consistisse de água...”.
(b) A massa do Sol
O análogo aplicado à órbita da Terra em torno do Sol é
R³ / T² = GMs / 4 pi²
onde T é o período da órbita (= 1 ano sideral), R é a distância média da Terra ao Sol e Ms a massa do Sol. O único dado que falta para determinar esta massa é o valor R.
A distância da Terra ao Sol já havia sido estimulada no século III a.C. por Aristarco, usando um método da triangulação que tomava como base a distância da terra à Lua quando o ângulo Lua-Terra-Sol é reto, o que corresponde à metade da face da Lua iluminada (quadratura). Entretanto, o ângulo oposto a essa base é tão pequeno que a medida é difícil, e valor obtido por Aristarco, de que o Sol estaria 20 vezes mais distante do que a Lua, era muito inferior ao valor real (cerca de 400 vezes).
Kepler, e depois Flamsteed, obtiveram R indiretamente, medindo a distância da Terra a Marte através da determinação da paralaxe de Marte visto simultaneamente de diferentes pontos da Terra (ou do mesmo ponto em horas diferentes, transportado pela rotação da Terra). Como a escala relativa do Sistema Solar era conhecida desde Copérnico, bastava medir uma distância absoluta para determinar qualquer outra --- em particular R.
A primeira medida maior de maior precisão (~ 5%) de R foi feita em 1761, usando um método que havia sido proposto por Halley, através de observações do trânsito de Vênus, ou seja, sua passagem pelo disco solar, vista de diferentes pontos da Terra. Determinações de paralaxes se tornaram mais fáceis e precisas quando a simultaneidade das observações de pontos diferentes pôde ser garantida pela sincronização de cronômetros.
O valor atualmente aceito de R, que corresponde a 1 U.A. é R ~ 1.49 x 10¹¹ m. Substituindo na (10.8.1), obtém-se para a massa do Sol o valor Ms = 1,988 x 10³º kg (~ 333.000 vezes a massa da Terra).
(c) Os satélites de Júpiter e a velocidade da luz
O mais interno dos 4 satélites de Júpiter descobertos por Galileu, Io, tem um período de ~ 42,5h, e é fácil determinar os instantes em que é eclipsado pelo planeta. Em 1675, o astrônomo dinamarquês Olaf Römer verificou que o intervalo entre dois eclipses consecutivos crescia quando a Terra estava se afastando de Júpiter, e diminuía quando se aproximava.
Tendo confiança nas leis de Newton, segundo as quais o período real deveria ser invariável, Römer atribuiu as variações aparentes do período a uma velocidade finita de propagação da luz, e determinou o seu valor, pela primeira vez, com o auxílio dessas observações.
O argumento Römer está ilustrado esquematicamente na figura 10.25. Nas posições 1 e 3 em sua órbita, quando a Terra se move mantendo-se aproximadamente eqüidistante de Júpiter, o atraso na observação do eclipse, devido ao tempo que a luz leva para vir de Júpiter à Terra, é o mesmo para dois eclipses consecutivos, de modo que medimos o período verdadeiro de Io. Na posição 2, porém, a Terra se terá afastado de Júpiter entre dois eclipses consecutivos e o intervalo aparente entre eles será maior, porque a luz tem de percorrer uma distância maior até atingir a Terra, assinalando o 2º. eclipse; analogamente, em 4, quando a Terra está se aproximando de Júpiter, o intervalo aparente diminui. A variação fracionária do período orbital de Io observada é igual à razão da velocidade da Terra em sua órbita à velocidade da luz, o que permitiu a Römer estimar essa velocidade, tendo obtido um valor cerca de 25% inferior ao atualmente aceito, c = 3 x 108 m/s.
Uma vez estabelecido o valor de c por métodos independentes, foi possível empregá-lo em sentido inverso, para estabelecer distâncias absolutas no Sistema Solar, seja em termos de efeitos como os atrasos de eclipses de satélites de Júpiter, seja através dos modernos métodos de radar.
(d) Outros planetas
Até aqui consideramos cada planeta como se movesse apenas sob a ação da atração gravitacional do Sol. Na realidade o movimento de um planeta também é afetado pelas forças de atração exercidas pelos demais planetas (além de seus satélites, se os tiver), que perturbam as órbitas elípticas keplerianas.
Felizmente, estas perturbações são pequenas, porque a massa do Sol é muitíssimo maior do que a massa de que qualquer planeta. Mas tiveram de ser levadas em conta, à medida que a precisão das observações astronômicas foi aumentando.
Uma solução exata do problema do movimento de mais de dois corpos, em interação gravitacional uns com os outros, é tão difícil que, mesmo no caso de três corpos, o problema só pôde ser resolvido em casos especiais extremamente restritivos. Por outro lado, soluções aproximadas, utilizando o fato de que as perturbações exercidas pelos demais planetas são muito menores do que a força atrativa do Sol, podem ser desenvolvidas de forma sistemática, constituindo o objeto do cálculo das perturbações. Este complicado problema de mecânica celeste foi tratado, durante a segunda metade do século 18 e primeira metade do século 19, por Euler, Lagrange e Laplace. Os resultados foram um sucesso, particularmente a explicação por Laplace de irregularidades observadas nos movimentos de Júpiter e Saturno. Atualmente, a resolução numérica de problemas de mecânica celeste é grandemente facilitada pela utilização de computadores.
Na noite de 13 de março de 1781, William Herschel, músico de profissão e astrônomo amador, descobriu com seu telescópio um objeto que obviamente não era uma estrela, pois seu diâmetro aparente aumentava incrementando o aumento do telescópio. Pensou a principio que se tratasse de um cometa, mas cerca de um ano mais tarde se havia tornado claro que se tratava de um novo planeta, o primeiro descoberto desde a antiguidade. A descoberta teve grande impacto. O novo planeta, que foi chamado de Urano, tem uma órbita de raio médio ≈ 19,2 U.A., aproximadamente o dobro de Saturno. Verificou-se depois que já havia aparecido em observações bem anteriores (desde 1690), embora não reconhecido como planeta.
Entretanto, as novas observações que foram sendo feitas, juntamente com as anteriores, levavam a desvios da órbita predita pelas leis de Newton. Essas irregularidades e desvios sistemáticos, embora pequenos (da ordem de 20° de arco, em média), não podiam ser explicados por perturbações devidas aos demais planetas conhecidos.
Tamanho era o grau de confiança nas leis de Newton, nessa época, que, em 1820, Bessel já sugeriu que os desvios talvez fossem devido a um novo planeta ainda não descoberto, mais distante que Urano.
Entretanto para provar um tal resultado e determinar os elementos da órbita do novo planeta, era preciso resolver um problema matemático muito mais difícil do que o tratado por Lagrange e Laplace, o problema inverso de perturbações.
O primeiro a obter uma solução foi John Couch Adams, jovem matemático de Cambridge recém-formado, em setembro de 1845. Comunicou seus resultados a John Challis, diretor do observatório de Cambridge, e ao astrônomo real, George Airy, prevendo a posição do novo planeta em 1/10/1845 (com erro <2° nessa data). Entretanto, Airy não ficou convencido pelos resultados e houve uma série de qüiproquós, em conseqüência da qual nenhuma tentativa de observação foi feita.
Enquanto isso, em Paris, Le Verrier, um astrônomo de reputação já estabelecida, começou a se interessar pelo problema e publicou, em junho de 1846, um trabalho contendo conclusões semelhantes às de Adams (se bem que menos completas). Airy recomendou então a Challis que procurasse o planeta hipotético no observatório de Cambridge. Challis fez observações nas noites de 29/7, 30/7, 4/8 e 12/8, mas só efetuou uma comparação parcial entre os resultados de 30/7 e 12/8, parando na estrela n° 39. Se tivesse ido 10 estrelas mais adiante, teria percebido que “uma estrela de 8ª grandeza”, observada em 12/8, não aparecia nos dados de 30/7 e teria descoberto o novo planeta. Mas não o fez.
Em 31/8, Le Verrier publicou outro trabalho e escreveu a Galle, astrônomo do observatório de Berlim, sugerindo que procurasse o planeta. Galle descobriu-o, a cerca de 1° da posição predita, na mesma noite em que recebeu a carta, a 23/9/1846. Verificou-se depois que o planeta já havia sido registrado em observações feitas por Lalande no observatório de Paris 50 anos antes, mas sem que ele percebesse na se tratar de uma estrela.
A predição da existência de Netuno foi um dos grandes triunfos da história da ciência e foi aclamada como tal. Entretanto, além da “dedução pura”, interveio também um forte elemento de sorte. Com efeito, tanto Adams como Le Verrier usaram em seus cálculos uma hipótese que se revelou “a posteriori” injustificada, a “lei de Bode” (descoberta por Titius, mas publicada por Bode em 1772). Segundo essa “lei”, o raio médio da órbita no n-ésimo planeta (n= 1, 2, 3, ...), em U.A., seria dado, para n > 2, por
Rn = 0,4 + 0,3 x 2 n-2 U.A.
Quando Bode publicou sua regra empírica, Urano ainda não havia sido descoberto, e sua descoberta 9 anos depois estava em muito bom acordo com a lei. Nenhum planeta havia sido observado na posição nº5 da série, mas em 1801 Piazzi descobriu o “planetóide” Ceres, parte da faixa de cerca de 2000 asteróides existentes entre Marte e Júpiter, supostamente resultantes da fragmentação de um planeta.
(e) Além do Sistema Solar
Já imaginou o que seria preciso para testar a lei da gravitação espaço afora do sistema solar? O primeiro passo pra responder essa pergunta foi dado por Willian Herschel e seu filho, John Herschel, quando ambos descobriram que as estrelas não eram fixas como se imaginava, ao examinar diversos movimentos estrelares – principalmente o do sol que se desloca em direção a um ponto da constelação de Hércules com velocidade comparável com a da terra à sua volta.
Os dois também descobriram as estrelas duplas, que são duas estrelas em órbita e uma se deslocando em torno da outra, como no caso da estrela Sirius, cuja estrela parceira foi descoberta em 1962 e denominada de Sirius B. Como Sirius está a 8,7 anos luz da terra, foi provado logo que a esta distância também se aplicava a lei da gravitação e, depois, o mesmo foi observado para estrelas mais distantes.
A Via Láctea é uma galáxia em espiral, como a Nebulosa de Andrômeda, e sua forma é aproximadamente um núcleo no meio com braços espirais ao seu redor. Sua forma pode ser interpretada como resultado da condensação de uma vasta nuvem de gás em rotação lenta por atração gravitacional, pois uma vez que a nuvem fosse se condensando, a velocidade de rotação iria aumentando até que chegasse ao ponto de impedir concentração fora do paralelo ao eixo.
Nossa galáxia faz parte de um grupo que contém cerca de vinte galáxias e, numa escala maior comparada às observações anteriores, foi observado que essas galáxias pertencentes a aglomerados possuem atração gravitacional entre si. Baseados nisso tudo puderam afirmar que a lei da gravitação de Newton é mesmo universal e foi assim que a Mecânica Newtoniana fez sucesso na astronomia.
(f) O caos determinístico
Em seu “Ensaio Filosófico sobre as Probabilidades” (1814), Laplace declarou o que posteriormente veio a ser conhecido como “determinismo Laplaciano”:
“Devemos ... considerar o presente estado de vida do universo como o efeito de seu estado anterior e causa do que se vai seguir. Se imaginarmos por um instante uma inteligência que pudesse conhecer todas as forças que a Natureza é animada e as posições respectivas dos corpos que a compõem – uma inteligência suficientemente vasta para submeter estes dados à análise – ela compreenderia na mesma fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e os do átomo mais minúsculo; para ela, nada seria incerto e o futuro, bem como o passado, estariam presentes à sua visão. A mente humana oferece, na perfeição que foi capaz de dar à astronomia, um exemplo modesto do que seria essa inteligência.”
Atualmente, conhecemos o erro de Laplace. Pois apesar da inteligência suprema dos supercomputadores e das leis da mecânica newtoniana sendo válidas, o futuro ainda assim é incerto.
As previsões meteorológicas são um ótimo exemplo disso, pois apesar de serem baseadas nas leis que regem a dinâmica atmosférica e usarem computadores altamente eficazes para serem calculadas, ficam incertas em períodos de semanas. Isso ocorre devido à “sensibilidade de condições iniciais” descrita por Poincaré. Lorentz publicou um exemplo conhecido como “efeito borboleta” em um artigo denominado “O bater das asas de uma borboleta no Brasil poderia provocar um furacão no Texas?”. Sua intenção era divulgar que um desvio mínimo da condição local dos ventos que seria inacessível às estações de previsão meteorológicas poderia ser suficiente para alterar as previsões a longo prazo. E, nos anos 60, o estudo do caos determinístico tomou um grande impulso.
Atualmente sabe-se que o efeito não é raro e na verdade acontece na maioria das vezes, e, embora tais sistemas tenham importância teórica e muitas aplicações práticas, não representam a situação típica mais geral.
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